Cidade Saúde

Promotoria sugere revogação de decreto que limita perimetro urbano de Borborema

O Ministério Público publicou as recomendações feitas pelo Promotor de Justiça da Comarca de Borborema, Dr. José Francisco Ferrani Júnior, acerca do decreto Municipal que impedia a entrada, saída de veículos e a livre locomoção de pessoas. O promotor sugeriu à Prefeitura a revogação do decreto por ferir a constituição. Confira a seguir o documento:

R E C O M E N D A Ç Ã O

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por meio do Promotor de Justiça que subscreve, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento no artigo 113, §1º, da Lei Complementar Estadual n.º 734/93 e considerando que:

  1. É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
  2. A liberdade de locomoção é direito fundamental da pessoa humana, prevista no artigo 5º, inciso XV, da Constituição Federal, e somente pode ser restringida por ato do Poder Executivo na vigência de Estado de Defesa e de Estado de Sítio;
  3. As medidas de quarentena e de isolamento social impostas em decorrência da pandemia de COVID 19 não se confundem com decreto de Estado de Defesa e de Estado de Sítio, cujos requisitos e formalidades estão delineados no Título V da Constituição Federal;
  4. A Lei n.º 13.979/20, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, estabelece que as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras providências, a restrição, excepcional e temporária, de locomoção interestadual e intermunicipal por rodovias, portos ou aeroportos, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, (artigo 3º, inciso VI, alínea “b”, da Lei n.º 13.979/20);
  5. A providência sobredita somente poderá ser determinada com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública (artigo 3º, §1º, da Lei n.º 13.979/20);
  6. A Resolução – RDC Nº 353, de 23 de março de 2020, do Ministério da Saúde/Agência Nacional de Vigilância Sanitária, delega ao Órgão de Vigilância Sanitária ou equivalente nos Estados a competência para elaborar a recomendação técnica e fundamentada de que trata a alínea “b” do inciso VI do art. 3º da Lei nº 13.979/2020, relativamente ao estabelecimento de restrição excepcional e temporária de locomoção interestadual e intermunicipal por rodovias;
  7. Até o momento, não se tem notícia de que a Secretaria de Estado da Saúde tenha elaborado recomendação técnica e fundamentada de restrição excepcional e temporária de locomoção interestadual e intermunicipal por rodovias que abranja o Município de Borborema;
  8. A despeito disso, o Prefeito de Borborema publicou o Decreto n.º 5.720, de 23 de março de 2020, por meio do qual impede o ingresso de ônibus, “vans” e demais veículos de transporte coletivo, com a finalidade de compras, excursão e similares, no território municipal (artigo 2º, “caput”);
  9. O Decreto n.º 5.720, de 23 de março de 2020, ainda estabelece que o ingresso e a saída de veículos de passeio e utilitários com pessoas provenientes de outras localidades ficam subordinados a uma triagem, em que a real necessidade de entrada no perímetro urbano será objeto de comprovação, preferencialmente por documento (artigo 2º, §§3º e 4º);
  10. O Decreto n.º 5.720, de 23 de março de 2020, determina a afixação, nas rodovias de acesso, de faixas e placas contendo informações sobre a restrição de circulação no Município. Além disso, define que o controle de acesso será realizado com exclusividade na Rodovia SP 304, km 394, ficando interditados os demais acessos;
  11. Em sua motivação, o Decreto n.º 5.720, de 23 de março de 2020, invoca norma abstrata da Lei n.º 13.675/2018, que disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, em detrimento da regra específica prevista na Lei n.º 13.979/20, cujos comandos prevalecem por força do princípio da especialidade;
  12. Questionada pelo Ministério Público sobre qual seria a recomendação técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária ou do Órgão Estadual de Vigilância Sanitária que daria embasamento ao Decreto Municipal n.º 5.720, de 23 de março de 2020, a Prefeitura apresentou resposta genérica, sem indicar ato específico que recomendasse a restrição de locomoção por rodovias em Borborema;
  13. Nessa conjuntura, o Prefeito de Borborema não tem competência constitucional nem legal para proibir o acesso de pessoas ao perímetro urbano e, assim agindo, está a afrontar direitos fundamentais dos cidadãos;
  14. No Estado Democrático de Direito, todos os atos do Poder Público estão sujeitos à Constituição Federal e às leis vigentes, não havendo espaço para medidas desprovidas de amparo legal, mormente as que afetam direitos fundamentais, por mais bem intencionadas que sejam;
  15. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127, “caput”, da Constituição Federal);
  16. É função do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia (artigo 129, inciso II, da Lei Fundamental);
    RECOMENDA ao Prefeito de Borborema que revogue imediatamente o Decreto n.º 5.720, de 23 de março de 2020, e, em consequência, adote as providências necessárias para fazer cessar os seus efeitos práticos sobre a liberdade de locomoção dos cidadãos.
    Em obediência ao comando literal do artigo 113, §1º, da Lei Complementar Estadual n.º 734/93, requisito-lhe que providencie a divulgação adequada e imediata dos termos desta recomendação.
    Por fim, solicito-lhe que informe, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, se haverá acatamento à recomendação, consignando-se que, na hipótese negativa, o Ministério Público adotará as providências cabíveis.

Borborema, 09 de abril de 2020.

JOSÉ FRANCISCO FERRARI JUNIOR
Promotor de Justiça