Opnião Política

O Parto da Montanha

Conta-se que os moradores de uma aldeia ao pé de um monte se assustaram com os ruídos estranhos que vinham do ventre da montanha.
Apreensivos, temerosos e curiosos os habitantes foram se reunindo nas proximidades do monte cujos estertores e cujos roncos surdos anunciavam uma iminente erupção vulcânica.
Enquanto o morro estremecia e soltava uns gemidos, o povo se aglomerava à espera de algum acontecimento notável memorável.
Eis que após violento estampido, a montanha se partiu e da rachadura surgiu um rato que, rapidamente se infiltrou na multidão onde causou grande alvoroço.
No seio daquela comunidade o episódio se perpetuou como o parto da montanha.

Entendimento do texto

O leitor arguto já sacou sobre a atualidade do texto que acabou de ler. Dá para desconfiar que a montanha em trabalho de parto é o Supremo Tribunal Federal que acabou de julgar a constitucionalidade da prisão de réu após a condenação em segunda instância. Foi um parto problemático e nada natural. O bebê foi sacado a fórceps das entranhas da legislação. Após muitos palavreados inchados de termos jurídicos, de palavras difíceis e argumentação recheada de sofismas, a montanha pariu não um, mas vários ratos que, mesmo condenados em segunda instância, ficarão livres, leves e soltos para continuar apelando da condenação até que se esgote todos os recursos. Recursos que jamais se esgotarão pois os réus são políticos poderoso e empresários riquíssimos que podem pagar advogados caríssimos e tremendamente inventivos na interpretação das leis. A partir de agora ficou mais difícil punir a turma do colarinho branco: Os ratos estão soltos de novo no meio de nós, roendo a confiança do povo e os critérios de aplicação da justiça. Depois desse entendimento sobre o início do cumprimento da pena só depois de esgotados todos os recursos percebe-se que há duas justiças: uma rigorosa para os pobres e outra benévola para os ricos e os poderosos. Cadê a igualdade de todos perante a lei?
Fica difícil entender porque o STF mudou o entendimento várias vezes na última década. Até 2009, o réu comia cadeia depois de duas condenações. De 2009 até 2016, os togados do STF decidiram que era necessário esgotar todos os recursos possíveis e só depois ir para trás das grades. Em 2016, decretaram cana imediata para os condenados em segunda instância. A partir de 07/11/2019, os mesmos ministros mudaram de ideia outra vez. Que bagunça! Fica difícil a população entender o que se passa na cabeça de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Cinco deles votaram a favor da prisão em segunda instância: Barroso, Carmén Lúcia, Fachin, Fux, e Moraes. Seis votaram contra a prisão em segunda instância: Celso de Mello, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Lewandowski, Marco Aurélio e Rosa Weber. Os seis do contra repassaram a impressão de que são advogados de porta de cadeia. De cara, Lula foi e é o beneficiado mais evidente e mais famoso agraciado pela nova jurisprudência sobre o caso de prisão em segunda instância. No dia seguinte ao parto da montanha, como o rato da historieta, o ex-presidente estava no meio da multidão fazendo alvoroço e roendo o prestígio de Moro, de Bolsonaro, da Lava Jato e posando de perseguido político e pensando em se casar com dona Janja e se candidatar à presidência da república. Diante do barulhão e das consequências do polêmico parto, o jeito foi chamar o VAR, isto é, o Congresso. Caberá ao Legislativo definir de vez como será o entendimento sobre a aplicação da pena aos condenados em segunda instância. Espera-se que das montanhas da vez, Senado e Câmara federais não aconteçam partos que garantam a vida dos ratos que roeram, roem e roerão o queijo polpudo do tesouro nacional. Sabe-se que muitos congressistas tem o rabo preso em casos de corrupção, de lavagem de dinheiro e em outros crimes mirados pela Lava Jato e não tem o mínimo interesse em legislar contra si nem contra os membros da própria espécie: rato não come rato. Assim sendo, do Congresso dificilmente sairá uma lei draconiana para resolver essa parada. “In dubio pro reo” (Na dúvida solta o réu) pontificava o direito romano. No Brasil vale “In dubio pro mus” (Na dúvida solta o rato). E o resto que se lixe!
Tô certo ou tô errado?

João de Barros Crepaldi, ex-vereador, por 3 mandatos, ex-secretário da educação, ex-professor, atualmente exerce a atividade menos penosa e menos perigosa: conserta motocicletas e já está atendendo normalmente após o recesso forçado.

Colunista

João de Barros Crepaldi