A Prefeitura Municipal de Borborema lançou, no mês de abril, um portal exclusivo para divulgar os gastos com Covid-19 executados pela Secretaria Municipal de Saúde. Até mesmo o Ministério Público, através da PAA nº 62.0213.0000102/2020-5, sugeriu que essa transparência fosse realizada para dar à população acesso aos gastos e contribuições feitas pela administração. Pautada em diversas portarias, a Promotora de Justiça Mariana Pieragnoli Viana fez cerca de oito recomendações para a gestão borboremense. Confira na íntegra os detalhes da recomendação expedida:
“RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA
PAA nº 62.0213.0000102/2020-5
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por intermédio da Promotora de Justiça Mariana Pieragnoli Viana, acumulando as funções de Promotor de Justiça de Borborema, que esta subscreve, com fulcro na Lei nº 8.625/93, na Lei Complementar nº 73/93, na Lei Complementar Estadual nº 734/93, na Resolução CNMP nº 164/2017 e no Ato nº 484/06 do CPJ, bem como no Aviso nº 154/2020-PGJ/CGPM;
CONSIDERANDO a Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020, do Ministério da Saúde, que declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da infecção humana pelo novo Coronavírus (COVID-19);
CONSIDERANDO a Portaria nº 356, de 11 de março de 2020, também do Ministério da Saúde, que dispõe sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que estabelece as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo Coronavírus (COVID-19);
CONSIDERANDO que a saúde é direito de todos e dever do Poder Público, e que o atual momento requer a atuação colaborativa em consonância com o esforço coletivo das instituições públicas e privadas para o enfrentamento da pandemia, sem prejuízo da observância aos princípios constitucionais da Administração Pública e demais normas de proteção ao patrimônio público e social;
CONSIDERANDO que, consoante o disposto nos artigos 37, §4º, 127 e 129, inciso III, da Constituição Federal, no artigo 25, inciso IV, alínea b, da Lei Federal nº 8.625/93, no artigo 103, inciso VIII, da Lei Complementar Estadual nº 734/93 e nas disposições da Lei 8.429/92, é função institucional do Ministério Público a defesa do patrimônio público e social;
CONSIDERANDO que entre as funções institucionais do Ministério Público figura a promoção da transparência pública e o controle social sobre os recursos públicos, no âmbito municipal, estadual e federal;
CONSIDERANDO que a Lei n° 13.979/2020, com alterações realizadas pelas Medidas Provisórias nº 926 e 951, inserida na competência privativa da União para dispor sobre normas gerais de licitações e contratos, criou nova hipótese de dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (artigo 4º), com objetivo relacionado à proteção da coletividade (artigo 1°, §1°);
CONSIDERANDO que essa hipótese de dispensa é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública (artigo 4º, §1º);
CONSIDERANDO que, na hipótese de dispensa para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata a Lei n° 13.979/2020, presumem-se as seguintes condições: ocorrência de emergência; necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; existência de risco à segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência (artigo 4º-B);
CONSIDERANDO a possibilidade excepcional de contratação de fornecedores de bens, serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido (artigo 4º, §3º);
CONSIDERANDO que poderá ser excepcionalmente dispensada a apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista ou, ainda, o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação, mantendo-se, porém, a obrigatoriedade da exigência de apresentação de prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao cumprimento do disposto no inciso XXXIII do caput do artigo 7º da Constituição Federal (artigo 4º-F);
CONSIDERANDO que a aquisição de bens e a contratação de serviços não se restringe a equipamentos novos, desde que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso e funcionamento do bem adquirido (artigo 4º-A);
CONSIDERANDO as determinações para a
simplificação dos documentos e providências de planejamento para as contratações de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento dos efeitos da emergência de saúde pública (artigos 4º-C, 4º-D e 4º-E);
CONSIDERANDO que está autorizado o sistema de registro de preço para dispensas de licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, quando se tratar de compra ou contratação por mais de um órgão ou entidade (artigo 4º, §4º);
CONSIDERANDO que todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro nesta Lei deverão ser imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), devendo constar, além das informações previstas no artigo 8º, §3º, da Lei nº 12.257/2011, aquelas previstas pelo artigo 4º, §2º, da Lei nº 13.979/2020 (nome do contratado, número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, prazo contratual, valor e respectivo processo de contratação ou aquisição);
CONSIDERANDO que o artigo 67 da Lei Federal nº 8.666/1993, que dispõe sobre normas gerais de licitações e contratações públicas, prevê a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição, especialmente para verificar a devida aplicação das verbas públicas e detectar eventuais desconformidades;
CONSIDERANDO, ainda, a possibilidade de
contratação temporária de servidores e que esse tipo de contratação deve estar embasada em necessidade transitória e de excepcional interesse público, na forma do artigo 37, IX, da Constituição Federal, observada a necessidade de fundamentação, em procedimento específico, além da adoção de critérios objetivos de seleção;
CONSIDERANDO que o pagamento de verbas ou vantagens extraordinárias de qualquer natureza, inclusive aos servidores que atuam diretamente no combate ao coronavírus, devem observar os princípios da moralidade, impessoalidade, finalidade, motivação, eficiência e razoabilidade, além de atenderem ao interesse público e às efetivas exigências do serviço (artigos 111 e 128 da Constituição do Estado de São Paulo);
CONSIDERANDO o princípio da publicidade
administrativa, consagrado expressamente no artigo 37, caput, da Constituição Federal, e no artigo 111, caput, da Constituição do Estado de São Paulo, atinente à transparência na Administração Pública;
CONSIDERANDO que qualquer cidadão possui o direito de conhecer e controlar os atos do governo e da gestão pública, o que somente se revela viável com a promoção da efetiva transparência do Estado, de modo a fomentar a democracia participativa;
CONSIDERANDO, outrossim, que a Lei Federal nº 12.527/2011 regulamenta o direito ao acesso à informação no âmbito da União, Distrito Federal e Municípios, estabelecendo, em seu artigo 6º, que cabe aos órgãos e entidades do poder público assegurar a gestão transparente da administração;
CONSIDERANDO que a mesma Lei Federal
regulamentou de forma pormenorizada o inciso XXXIII do artigo 5º, o inciso II do §3º do artigo 37 e o §2º do artigo 216, todos da Constituição Federal, indicando que é dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão (artigo 5º);
CONSIDERANDO que aludida Lei Federal previu, em seu artigo 8º, o dever dos órgãos e entidades públicas em divulgar, independente de requerimentos, em local de fácil acesso, informações de interesse coletivo ou geral;
CONSIDERANDO a obrigatoriedade de que referidas divulgações se deem em “sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet)”, consoante §2º do artigo 8º da mencionada Lei Federal;
CONSIDERANDO as contemporâneas técnicas de gestão administrativa e de boa governança que impõem a plena visibilidade administrativa e a obrigatoriedade de observância dos dispositivos legais acima mencionados;
CONSIDERANDO que incumbe aos agentes e órgãos públicos a implementação de mecanismos de acesso à informação pelo cidadão;
CONSIDERANDO que o eventual descumprimento dos dispositivos que tratam da transparência e do acesso à informação de dados públicos, pode, em tese, configurar ato de improbidade administrativa, previsto na Lei nº 8.429/92;
RESOLVE:
Expedir RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA ao MUNICÍPIO DE BORBOREMA para que, a partir do recebimento da presente, em atendimento à Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, observe as seguintes obrigações:
1) Disponibilização, em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), de informação clara e acessível sobre as contratações ou aquisições realizadas pelo ente público, devendo nelas obrigatoriamente constar:
1.1. O nome do contratado e o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil;
1.2. O prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição:
2) Disponibilização, em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), de informação clara e acessível sobre todos os recursos recebidos de repasses da União ou dos Estados para a adoção de medidas de enfrentamento à pandemia do coronavírus, em que conste o valor recebido, data de recebimento e correspondente destinação, inclusive das quantias repassadas às entidades do terceiro setor;
3) A mesma obrigação prevista no item anterior deve ser observada com relação a recursos provenientes a título de doações por entes privados, constando valores, origem e identificação do doador, e correspondente destinação, inclusive das quantias repassadas às entidades do terceiro setor;
4) Disponibilização, em espaço específico nos
correspondentes Portais da Transparência, de fácil localização e ampla divulgação, não só das contratações e aquisições realizadas, como também do resumo e detalhamento de atos e despesas para enfrentamento ao coronavírus, atendendo, nos termos do artigo 8º, §3º, da Lei nº 12.527/13, aos seguintes requisitos:
4.1. Conter ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à informação de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão;
4.2. Possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise das informações;
4.3. Possibilitar o acesso automatizado por sistemas externos em formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina;
4.4. Divulgar em detalhes os formatos utilizados para estruturação da informação;
4.5. Garantir a autenticidade e a integridade das informações disponíveis para acesso;
4.6. Manter atualizadas as informações disponíveis para acesso;
4.7. Indicar local e instruções que permitam ao interessado comunicar-se, por via eletrônica ou telefônica, com o órgão ou entidade detentora do sítio; e
4.8. Adotar as medidas necessárias para garantir a acessibilidade de conteúdo para pessoas com deficiência, nos termos do artigo 17 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, e do artigo 9º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008;
5) Em relação aos contratos assinados pelo Poder Público que envolvam a aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos, observar o atendimento às seguintes exigências:
5.1. Designação de fiscais para verificação da correta execução do objeto, devendo a nomeação recair dentre servidores públicos que detenham capacidade e conhecimento técnico, fornecendo a eles todos os meios necessários para o fiel cumprimento de suas funções;
5.2. Publicação no Portal da transparência de cópia dos documentos e informações relativas à execução ou inexecução contratual; e
5.3. Manutenção em boa guarda de todos os documentos relacionados às contratações e à respectiva fiscalização da execução, para eventual e futura análise pelos órgãos de controle;
6) Com relação às contratações de funcionários por tempo determinado (artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal), que tenham como fundamento a necessidade de combate ao coronavírus, observância de ampla publicidade aos respectivos processos seletivos, de que conste:
6.1. O número do processo seletivo e edital respectivos;
6.2. O valor dos vencimentos fixados para cada função temporária disponibilizada;
6.3. Nome e CPF das pessoas contratadas, função exercida, o prazo da contratação;
7) Com relação aos pagamentos a funcionários públicos, de verbas ou vantagens extraordinárias de qualquer natureza, inclusive horas extras, autorizadas em razão da necessidade de enfrentamento ao coronavírus, observação de que se exija a publicação do valor total desses desembolsos, identificando-se:
7.1. O cargo e/ou função ocupado pelo servidor beneficiado por meio de sua matrícula funcional;
7.2. Natureza, dispositivo legal autorizador e valor total recebido, por mês, a título extraordinário; e
7.3. Manutenção de relação nominal, em que conste a identidade desses funcionários para apresentação oportuna a órgãos de controle, caso requisitadas.
8) Por fim, observa-se que a publicidade simplificada em sítio eletrônico específico não afasta o dever de que as mesmas contratações sejam também divulgadas, de forma mais detalhada, no espaço de transparência usual do ente (Portal de Transparência, por exemplo), nos termos da Lei de Acesso à Informação.
Diante do exposto, esta Promotoria de Justiça ainda solicita, no prazo de 10 (dez) dias, a partir do recebimento desta, informações circunstanciadas sobre as providências adotadas e, em caso de não acatamento desta Recomendação, o Ministério Público informa que adotará as medidas legais necessárias a fim de assegurar a sua implementação.
Borborema, 13 de maio de 2020.
MARIANA PIERAGNOLI VIANA
Promotora de Justiça“