Projeções apontam que a rede de saúde será insuficiente para atender à demanda de Ibitinga e região. Poder Público empreende esforços para aquisição de novos leitos e aparelhos, por meio de medidas que estão sendo acompanhadas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.
Este artigo se destina a tornar públicas, a todos os cidadãos de Ibitinga e região, as informações colhidas pela Promotoria de Justiça de Ibitinga nos autos do Procedimento n. 373/2020, instaurado para acompanhar e fiscalizar as medidas adotadas pelo Poder Público no intuito de conter a pandemia do Coronavírus.
Importante dizer, desde logo, que não falamos com autoridade técnica quanto à doença em si, nem quanto às suas mais diversas consequências, até porque não contamos, nos quadros da Promotoria de Justiça, com epidemiologistas, sociólogos, assistentes sociais, economistas, etc. Ademais, não se pretende polemizar ou polarizar ainda mais o assunto, mas tão somente repassar as informações colhidas no PAA n. 373/2020, que foram obtidas a partir de questionamentos feitos às Prefeituras Municipais de Ibitinga e Tabatinga, bem como ao SAMS de Ibitinga (Autarquia responsável pela administração das ações e recursos relacionados à Saúde Pública), e à Santa Casa de Ibitinga (SCI).
Os questionamentos feitos gravitaram, em especial, em torno de duas questões: 1) exigir do Poder Público a fiscalização dos Decretos Estaduais e Municipais de isolamento social (reconhecendo, portanto, sua extrema importância, diante de tantas evidências científicas); 2) zelar para que os Órgãos Públicos de Saúde formulassem seus respectivos Planos de Contingenciamento da Crise e se estruturassem devidamente, nos aspectos material e humano, adquirindo insumos necessários (equipamentos de proteção, leitos, respiradores, etc.) e contratando profissionais da saúde para atender ao aumento exponencial da demanda (considerando, portanto, que o crescimento da demanda não é mera probabilidade, mas, sim, uma projeção1).
Dentre questões abordadas, vale a pena analisarmos, de logo, um dos assuntos mais discutidos pela imprensa e pelos meios de comunicação nos últimos dias: a quantidade de leitos de UTI e quantidade de aparelhos respiradores disponíveis, que são imprescindíveis no tratamento da fase aguda da doença.
Partindo-se, assim, da premissa de que haverá aumento exponencial da demanda, a Promotoria de Justiça questionou ao SAMS e à Prefeitura de Ibitinga como fariam para disponibilizar mais leitos e mais aparelhos respiradores.
Antes, porém, de analisar as respostas, importante fazer um aparte para se entender a dimensão do problema
Ibitinga recebe demandas em casos de média complexidade de outras cidades.
Ocorre que o Município de Ibitinga é considerado uma referência na área de saúde pública a outros três Municípios à nossa volta: Borborema, Tabatinga e Nova Europa.
Vale dizer: a Rede de Saúde do Município de Ibitinga recebe demandas de saúde destas três outras cidades acima, em casos de média complexidade.
Isso quer dizer que, para analisarmos a capacidade de a Rede de Saúde de Ibitinga fazer frente à demanda que surgirá em decorrência do COVID-19, precisamos considerar que esta mesma Rede receberá pacientes de outras 3 cidades. Precisamos, portanto, considerar a suficiência (ou não) dos leitos de UTI e aparelhos respiradores disponíveis na Rede de Saúde de Ibitinga com base na expectativa de contágio destas quatro cidades: Ibitinga, Borborema, Nova Europa e Tabatinga.
Poderes Públicos Municipais e Órgãos Integrantes do SUS esclarecem qual o número de leitos e aparelhos respiradores disponíveis
Em resposta aos questionamentos da Promotoria de Justiça, a Santa Casa de Ibitinga (SCI) informou:
a) para pacientes suspeitos de infecção e para os pacientes em alta após tratamento em UTI, a SCI disponibilizou NOVA ALA com 16 leitos, destinando-se, portanto, a cuidados intermediários de enfermaria.
b) Para pacientes com suspeitas de SRAG (SÍNDROME RESPIRATÓRIA AGUDA GRAVE), foram destinados 10 leitos de UTI, sendo 4 cadastrados no SUS “na qual Ibitinga é tida como referência as cidades de Tabatinga, Borborema e Nova Europa, onde esses leitos não são exclusivos para COVID-19” (ou seja: pacientes doentes ou lesionados por outros motivos também concorrerão com essas vagas).
c) Quantos aos Aparelhos Respiradores disponíveis na SCI:
i. Há 8 aparelhos de ventilação mecânica, e 2 chegarão até o final do mês (ou seja: 10);
ii. Há 2 aparelhos respiradores “de transporte”
iii. Há 3 aparelhos de anestesia que sustentam 10 horas de intubação;
d) Informou-se também a existência de 1 ventilador mecânico na Unidade de Pronto Atendimento 24 horas, e mais 1 ventilador mecânico no Pronto Socorro da Vila Maria:
Então, vale a pena contarmos quantos aparelhos respiradores teremos à disposição, durante as medidas de controle à epidemia: Serão 8 (existentes na SCI) + 2 (que estão chegando) + 2 de transporte + 3 de anestesia (que servem para intubações de até 10 horas)
- 1 da UPA + 1 no Pronto Socorro da Vila Maria: somando-se todos, temos 19 respiradores.
Lembremo-nos de que Ibitinga é referência a outros 3 Municípios e, se não bastasse, esses 19 aparelhos também serão utilizados para tratamentos de outras doenças.
Questionada ainda sobre parcerias para enfrentamento da crise, a SCI relatou que os Municípios que são referenciados possuem, para contribuírem com o Sistema, um ventilador mecânico cada, além do que, Borborema tem um aparelho de anestesia que comporta 10 horas de intubação.
Então, somando os aparelhos respiradores à disposição de toda a Rede Pública de Saúde que atenderá aos quatro municípios, temos 23 aparelhos respiradores.
Questionada sobre qual o plano para melhor estruturação do Sistema, a SCI informou que adquiriu 1 novo aparelho respirador, mas que está impossível adquirir outros, porque simplesmente desapareceram do mercado (fato bastante veiculado pela imprensa).
A SCI também informou que remanejaram toda uma ALA, para disponibilização daqueles 16 leitos de cuidados intermediários (que são importantíssimos para o controle da pandemia, mas estão presentes em número aparentemente insuficiente).
Fizemos também outros questionamentos, com relação aos insumos de proteção e para evitar proliferações, dentre outras coisas. Todavia, seguiremos na análise da estrutura à disposição da Rede Pública de Saúde.
Passando para resposta encaminhada pelo SAMS, que é a Autarquia Municipal responsável pela administração das questões relacionadas à saúde do Município.
O SAMS informou que já aprovaram o Plano de Contingenciamento Municipal, que segue as diretrizes do Plano Regional da DRS III2 (Órgão Estadual que fiscaliza, orienta e reparte competências com os Municípios no que tange às políticas públicas de saúde).
Questionado sobre os leitos e respiradores à disposição, o SAMS replicou a informação já repassada pela Santa Casa, ou seja, a estrutura do SAMS é a mesma informada pela SCI (19 respiradores em Ibitinga; 23 respiradores, considerando as quatro cidades da microrregião).
Projeção estatística de contaminação (duas perspectivas: uma otimista, outra pessimista)
Para verificar se a quantidade de aparelhos é suficiente ou não, precisamos partir para a análise de Projeção de Contaminação para Ibitinga e para as três cidades referenciadas.
O SAMS informou que a projeção de contaminação de cada Município está contida no Plano de Contingência Regional, elaborado pela DRS III, que contém, inclusive, gráfico apontando a expectativa de infectados de cada um de seus municípios vinculados.
A resposta não é simples e compõe um gráfico (em anexo) com algumas possibilidades, considerando contextos mais otimistas e menos otimistas. De qualquer forma, é preciso dizer que sentimos dificuldades técnicas para sua avaliação e interpretação.
Analisaremos, a seguir, duas perspectivas (segundo nossa interpretação ao gráfico):
Numa perspectiva mais otimista, em que apenas 1% dos infectados necessitarão de internação e de leito de UTI, teríamos os seguintes números: - Em Ibitinga, 96 pacientes precisão de internação; 5 precisarão de UTI;
- Em Tabatinga: 26 pacientes precisarão de internação; 5 precisarão de UTI;
- Em Nova Europa: 18 pacientes precisarão de internação; 1 precisará de UTI;
- Em Borborema: 26 pacientes precisarão de internação; 1 precisará de UTI.
Ou seja, na projeção mais otimista, considerando que apenas 1% dos casos demandarão internação, a Rede de Saúde de Ibitinga realizará a internação de 166 pessoas, sendo que 12 pacientes precisarão de UTI.
Fica visível que o Sistema de Saúde em questão terá muita dificuldade para lidar com a crise se for este o cenário (o mais otimista).
Todavia, há também o cenário menos otimista, em que 10% dos infectados necessitarão dos mesmos serviços. Neste caso, os números são os seguintes:
- Em Ibitinga, 961 pacientes precisão de internação; 48 precisarão de UTI;
- Em Tabatinga: 264 pacientes precisarão de internação; 13 precisarão de UTI;
- Em Nova Europa: 179 pacientes precisarão de internação; 9 precisarão de UTI;
- Em Borborema: 257 pacientes precisarão de internação; 13 precisarão de UTI.
Se esta projeção se cumprir, ou algo no meio desse caminho, a demanda ultrapassará em muito a capacidade de atendimento, levando o Sistema de Saúde a colapso.
Poder Público empreende esforços concretos para enfrentar a crise
Importante ponderar que, em nossos contatos feitos com os Municípios, com o SAMS e com a SCI, foi possível presenciar esforços concretos para pensar no problema e agir para evitar uma situação incontrolável. Diversas medidas foram, de fato, implementadas para o enfrentamento da crise.
Mas, pelos dados acima descritos, ainda salta aos olhos que a estrutura existente não fará frente à demanda que está por vir.
Outros questionamentos importantes feitos Poder Público e SAMS
A Promotoria de Justiça questionou o SAMS também sobre a contratação emergencial de profissionais da saúde para ampliar seu quadro. Foi respondido que farão as contratações, em regime excepcional (sem processo seletivo, em vista da decretação de calamidade pública), mas somente conforme a necessidade venha surgir. Diante dessa resposta, a Promotoria de Justiça enviou novo questionamento ao Órgão Público para que comprove a existência de uma lista ou cadastro prévio de profissionais de saúde que residam no Município ou na região, e que tenham real potencial de atender ao chamado de emergência.
Outra importante informação, referente ao pedido feito ao SAMS e Prefeitura de Ibitinga quanto à implementação de serviço de telemedicina (serviço para que pacientes crônicos tirem eventuais dúvidas quanto a seus tratamentos regulares, e que pode também servir para tirar dúvidas de cidadãos quanto a possíveis sintomas de COVID-19 e, especialmente, sobre a decisão de ir ou não ao hospital).
Informou-se que há um telefone disponível na Central do SAMS, além do telefone da Ouvidoria da Prefeitura Municipal.
Evidentemente, os telefones da Central do SAMS e da Ouvidoria do Município não se destinarão a uma atividade técnica na área da saúde.
Em razão disso, a Promotoria de Justiça expediu recomendação ao SAMS para que implemente o serviço em questão, já que é manifesta a importância deste serviço para evitar contágios e combater a crise, atuando preventivamente.
Até por isso, comprovada a necessidade do serviço para fazer frente à situação excepcional, haveria fundamento para contratação de profissionais especialistas, se bem que a estrutura do SAMS dispõe de excelentes profissionais para assumir tal função, que poderiam assumir a gestão do serviço, gerando na outra ponta, inevitavelmente, demanda por novos profissionais de saúde para atendimentos “de frente”. Daí porque a contratação também é claramente necessária e deve ser iniciada antes do ápice dos contágios.
Também importante a notícia de que os Municípios e SAMS estão encontrando dificuldades para aquisição de produtos de segurança e proteção, como luvas e máscaras, que foram inflacionados. O SAMS apresentou elementos que indicam a distorção dos preços (orçamentos antigos e atuais de mesmas empresas).
Quanto a isso, o Ministério Público tem atuado sob a coordenação do Centro de Apoio Criminal em São Paulo, de modo a processar criminalmente empresários que se aproveitaram desse momento de calamidade pública para ter lucros excessivos.
Outras duas informações importantíssimas: primeiro, o SAMS e o Município de Ibitinga oficiaram à DRS III, solicitando novos repasses para a melhor estruturação do Sistema de Saúde para atendimento à crise.
Essa importante providência adotada pelo Município também está sendo acompanhada pela Promotoria de Justiça, que oficiou à DRS III, para solicitar informações quanto à
efetiva disponibilização de recursos financeiros, até porque, como vimos, Ibitinga é uma referência e receberá uma demanda microrregional para a qual não está preparada.
Em caso de inércia da DRS III, estudaremos a viabilidade de propor ação civil pública em face do Estado de São Paulo (lembrando que a DRS é órgão Estadual), para obriga-lo a fazer os investimentos necessários.
Por fim, o SAMS informou que está buscando fazer parceria com a Rede Privada de Saúde. Como se sabe, Ibitinga dispõe do hospital particular Aliança (HI). Portanto, a previsão é de que a estrutura deste hospital3 também venha a servir a toda a população, de uma maneira geral, e para aqueles que não tenham convênios ou condições de pagar, é certo que os Poderes Públicos terão de arcar com os valores respectivos (ainda que isso seja buscado por meio de ação civil pública, promovida pela Promotoria de Justiça, ou individualmente, por meio de advogada ou advogado). Isso significa que, no momento ápice de crise, a condição econômica e social dos pacientes doentes (do rico ao morador de rua) pouco importará no que se refere ao acesso às vagas disponíveis.
Conclusões Finais e Reflexões
Como se pode ver, são muitas as informações e, neste momento, demos destaque àquelas referentes à estrutura da Rede Pública de Saúde para enfrentar a demanda que virá em decorrência da pandemia.
Necessário que todos estejam cientes da situação existente, em especial, que o número de leitos de internação e de aparelhos respiradores é muito pequeno frente à projeção de pessoas infectadas que precisarão, para manterem suas vidas, de tratamento intensivo.
A discussão em torno do isolamento social (e todas as consequências sociais e econômicas de que disso decorrem e decorrerão) precisa ser analisada em conjunto com os dados de estrutura de nossa cidade para o enfrentamento do COVID-19. Compreende-se todo o debate em torno do tema, até porque as consequências do isolamento são terríveis para muitas pessoas. Até por isso, o momento exige de todos um exercício de empatia, pois muitas pessoas estão brigando pela sobrevivência.
Todavia, no atual contexto, diante de uma projeção que indica que pessoas morrerão por falta de respiradores (e profissionais da saúde poderão ter de escolher a quem tentar salvar), concluímos que o isolamento social ainda se mostra imprescindível.
Por fim, se algo mais nos compete dizer, é que todos busquem meios confiáveis para se informarem sobre o problema e sobre como e quando a pandemia chegou. Como muito se tem dito, a epidemia é um fenômeno dinâmico, que assume diferentes feições diante de diferentes contextos. Isso demanda constante informação, interpretação, análises e reanálises. Nesse passo, as “fake news” comprometem a qualidade da comunicação e aprofundam a crise. Necessário, assim, dar preferência aos serviços jornalísticos, feitos por profissionais habilitados, que respondem pela veracidade das informações e confiabilidade das fontes.
Finalizando, são essas as informações e reflexões feitas pela equipe da Promotoria de Ibitinga, a partir das investigações até aqui realizadas e dados colhidos.
3 Que também é bastante limitada, frente à situação excepcional em que vivemos: segundo informações extraoficiais, o HI dispõe de 12 leitos para internação, um respirador fixo de centro cirúrgico (que é muito demandado na atividade rotineira do hospital), e um único respirador que já foi cedido em empréstimo à SCI).
Considerando o regime de teletrabalho, a Promotoria de Justiça está se estruturando para criar uma página em rede social, para atualizar a todos sobre o andamento dos procedimentos e para interagir com os cidadãos, buscando uma atuação em prol da população em geral, sem distinções.
Por fim, eventual contato, dúvida ou denúncia pode ser feito à Promotoria de Justiça de Ibitinga por meio de seu e-mail institucional ([email protected]).
Ibitinga, 29/03/2020 Eduardo Maciel Crespilho
2º Promotor de Justiça de Ibitinga
SILVIO BRANDINI BARBAGALO
3º Promotor de Justiça de Ibitinga
GABRIEL LUIZ DE CARVALHO
Analista Jurídico
THAINÁ MIQUELETTI RONDELLI
Analista Jurídica
IGOR THIAGO BATISTA CUPETINO
Analista Jurídico
PROJEÇÃO ESTATÍSTICA MAIS OTIMISTA
- Apenas 1% dos infectados necessitarão de internação e de leito de UTI:
- Em Ibitinga, 96 pacientes precisão de internação; 5 precisarão de UTI;
- Em Tabatinga: 26 pacientes precisarão de internação; 5 precisarão de UTI;
- Em Nova Europa: 18 pacientes precisarão de internação; 1 precisará de UTI;
- Em Borborema: 26 pacientes precisarão de internação; 1 precisará de UTI.
- na projeção mais otimista, considerando que apenas 1% dos casos demandarão internação, a Rede de Saúde de Ibitinga realizará a internação de 166 pessoas, sendo que 12 pacientes precisarão de UTI.
PROJEÇÃO ESTATÍSTICA
MENOS OTIMISTA
- 10% dos infectados necessitarão dos serviços de internação e de leito de UTI.
- Em Ibitinga, 961 pacientes precisão de internação; 48 precisarão de UTI;
- Em Tabatinga: 264 pacientes precisarão de internação; 13 precisarão de UTI;
- Em Nova Europa: 179 pacientes precisarão de internação; 9 precisarão de UTI;
- Em Borborema: 257 pacientes precisarão de internação; 13 precisarão de UTI.